Texto de Rafael José Nogueira
Graças aos esforços do historiador Dilney Cunha em seu livro História do Trabalho em Joinville conseguimos tomar conhecimento de vários documentos sobre a escravidão em Joinville no capítulo 6 intitulado Negros, trabalhos e sociedade em Joinville. Um dos documentos descritos fala de um contrato de locação envolvendo dois ex-escravos com seu antigo ex-senhor. Sabe-se que a alforria em si não significava a inserção do liberto na sociedade e muito menos ficar imune a marginalidade. Segundo Dilney:
Em Joinville verificaram-se situações semelhantes, com a permanência de ex-escravos nas antigas propriedades, onde continuavam trabalhando para seus ex-donos. Prova o “contracto de locação de serviços”, com data de 26 de fevereiro de 1888, firmado entre João Antonio Correa Maia e seus ex-escravos Gil e Dionizia.
(CUNHA, 2008, p.118)
A partir dessa informação buscamos a cópia do contrato no Tabelionato Rodrigo Lobo e solicitamos a transcrição a empresa Memorabilia Paleografia e Diplomática para efetuar a transcrição:
Transcrição:Escritura de contrato de locação de serviço.Saibam quantos esta pública escritura de locação de serviço visto que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e oitenta e oito aos vinte e seis dias do mês de fevereiro do dito ano nesta cidade de Joinville em meu cartório e locadores Gil e Dionízia ex-escravos de João Antônio Corrêa Maia e da outra parte como outorgado locatário João Antonio Correa Maia, todos moradores nesta cidade bem conhecidos de mim tabelião pelo próprio de que trato e dou fé, bem como das suas testemunhas presentes abaixo firmadas pelos outorgantes louvadores Gil e Dionísia tributos, me foi dito que em gratificação de seu ex-senhor João Antônio Correa Maia lhes ter dado sua liberdade sem condição no dia vinte e seis do corrente ano e mês, trabalharam no mesmo serviço que os tinham até o dia vinte digo, vinte e seis de fevereiro próximo digo, fevereiro de 1893 mil oitocentos e noventa e três, com a condição de o outorgado locatário por mais um aos outorgantes locadores casa para viverem, vestuário, sustento e curativo no caso de moléstia tudo o mais necessário não previsto neste contrato como até o presente não só assinado a outorgante locadora como também o seu filho a razão de sessenta mil réis ao outorgante, ainda um dos locadores a qual quantia, digo, até o dia doze de fevereiro deste.
Alguns elementos chamam atenção. O primeiro de o tabelião demonstrar conhecer as partes o que demonstra que o comércio de escravos era popular e ativo na cidade.
Como foi comum no período escravocrata, Gil e Dionizia livres, mas sem recursos para sobreviverem buscam auxilio de seu ex-senhor e em gratidão de terem ganho sua liberdade sem nenhuma condição iriam trabalhar para ele por mais 5 anos, ou seja até 26 de fevereiro de 1893 e em troca receberiam casa, roupas, sustento e assistência médica em caso de doenças e ainda o que mais fosse preciso e não previsto no contrato.
É de se presumir que fossem casados e que cada um desempenhava uma função especifica no sistema escravista: Gil provavelmente era escravo do eito, isto é, trabalhando nas lavouras de seu antigo dono e Dionizia uma escrava domestica possivelmente cuidando dos afazeres domésticos.
Como a locação dos serviços foram feitos por dois cidadãos teoricamente livres, a abolição da escravidão quase três meses não deve ter alterado o status e talvez o contrato tenha sido cumprido até o fim.
São questões a serem respondidas futuramente. Outra coisa que chama a atenção é que aparentemente os recém-libertos declararam querer continuando trabalhando para seu ex-senhor.
O que parece algo sem fundamento já que a totalidade não sabia ler e nem escrever. A hipótese é que foi na verdade uma alforria com condições, mesmo que esse contrato – que seria a parte final – diga o contrário.A alforria com condições foi algo cotidiano e comum.
Referências:
- CUNHA, Dilney. História do trabalho em Joinville: gênese. Santa Catarina: Todaletra, 2008.
- TABELIONATO RODRIGO LOBO. Escriptura de contrato de locação de serviços, 26/02/1888. Livro de Contratos Diversos, nº 11, 1º Tabelionato. Arquivo do Cartório Rodrigo O. Lobo, Joinville.